| valter hugo mãe | (Valter Hugo Lemos de baptismo, nascido em Angola, em 1971) passou a infância em Paços de Ferreira e em 1980 mudou-se para Vila do Conde. Licenciou-se em Direito e fez uma pós-graduação em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea. Em 1992 integrou as Quasi Edições com Jorge Reis-Sá. Em 2001 dirigiu a revista Apeadeiro e em 2006 fundou a editora Objecto Cardíaco. Publicou diversos livros de poesia, entre eles “três minutos antes da maré encher” (Quasi, 2000), “a cobrição das filhas” (Quasi, 2001), “livro de maldições” (Objecto Cardíaco, 2006) ou “pornografia erudita” (Cosmorama, 2007). A sua poesia está reunida no volume “folclore íntimo” (Cosmorama, 2008). Em 2007 recebeu o Prémio Literário José Saramago pelo livro “o remorso de baltazar serapião” (publicado no ano anterior, pela QuidNovi). Durante a entrega do galardão Saramago designou o romance como “um tsunami literário”. Além desse publicou os romances “o nosso reino” (Temas e Debates, 2004) e “o apocalipse dos trabalhadores” (QuidNovi, 2008). 2a máquina de fazer espanhóis” é o seu primeiro romance na nova editora, Objectiva.
[...] O meu nome é Valter e assim se lê e entende quer se escreva com maiúscula ou com minúscula inicial. O que se passa é que convencionamos conferir a determinadas palavras - desde logo aos nomes próprios - uma dignidade superior às outras e isso, para mim, não me interessa. Interessa-me que seja a força da frase, a capacidade expressiva do texto a seduzir o leitor para as palavras mais importantes, como se as palavras, sozinhas, se constituíssem como heroínas de um jogo exclusivamente delas, vencendo umas sobre as outras pela sua natureza significativa - inclusive no encontro das convicções de cada leitor - ou simplesmente harmonizando-se e defendendo-se em conjunto, como apaixonadas umas pelas outras.
No teu novo livro, “a máquina de fazer espanhóis”, o senhor silva perde a mulher, aos 84 anos. Ninguém está nunca preparado para aceitar a morte, mesmo sabendo-a inevitável, certo?
A morte é das exigências mais impossíveis que se fazem ao nosso espírito. Não creio que saibamos aceitar o desligar de todas as coisas, sobretudo se não estivermos à espera de que se trate de uma passagem para outro lado. Pessoalmente, não sinto um terror profundo pela minha morte, sinto um terror profundo pela morte dos que amo. Mas acho que digo isto porque abuso mas vou tendo tempo, quando vir a bocarra aberta para me tragar vou gritar de medo como uma criança. Ainda por cima sou dramático e um pedaço medricas.
Neste romance também se aborda o final da Ditadura. Que consequências encontras no facto de ser esta, a que está ainda viva e em grande parte no activo, a última geração a ter sentido na pele esses dois tempos?
[...] Acho importante aprendermos tudo quanto possamos aprender com a nossa história recente, para que não se repitam erros, para que nunca mais se suporte a censura, nenhuma censura, nem mesmo contra a estupidez ou ideias tolas. Cresci a pensar que queria ser escritor e a ouvir alguém dizer-me que por sorte poderia escrever em liberdade. Tive sempre medo que me tirassem a liberdade antes do tempo de poder lutar por ela. Agora quero acreditar num mundo que não recua. Que aprende e melhora. Tenho dúvidas, mas quero muito acreditar. Quem viu a vida de antigamente tem a obrigação de mostrar como é importante pôr os políticos em sentido e o povo esperançado para que nunca se desista de fazer mais e melhor por todos, para todos.
O livro aborda também um certo sentido de ser português. Achas que temos o hábito de chutar as responsabilidades para debaixo do tapete?
Temos o hábito de não saber muito bem quem é o responsável. Nem precisamos de chutar nada. Por definição, é uma baralhada nos poderes que já nem sabemos a quem pedir explicações, pelo que nos desabituamos a pedir explicações e a coisa rola. Não é notório que, ao menos uma vez na vida, suspiramos pela ideia de sermos espanhóis, vivermos numa realidade com um salário mínimo que é o dobro do nosso e fazermos parte de um colectivo que prima pelo orgulho e alguma grandiosidade em relação ao futuro? Não precisa de ser um sentimento a sério, basta apenas que seja um fantasma, mas é certo que nos medimos com os espanhóis e, infelizmente, nos vemos quase sempre a perder. Isto não nos retira a identidade, e talvez esteja a mudar a pés largos, mas acontece porque somos inelutavelmente vizinhos e entre vizinhos há aquela história da galinha, sobretudo quando a dele é mesmo mais gorda do que a nossa.
E o universo de que te socorres? Que “pontes” podemos encontrar entre a música, os textos, as imagens que crias?
As pontes são fáceis de perceber. Sou um rapaz feito de coisas muito claras e coisas muito escuras, não tenho paciência para intermédios. Resulto sempre num lirismo muito grande, poderia dizer também uma grande delicadeza, que se acompanha de um medo profundo, um desencanto, um negrume que cobre cada coisa a dado passo. Por isso, acho que tudo o que faço tem esse tom poético, meio delicado, que depois é trespassado por uma tristeza e uma desfiguração que fere muito. Os meus livros são assim, os meus desenhos são monstrinhos delicados, a minha voz tem alguma doçura mas é profundamente melancólica. Não sei ser de outra maneira.
Este livro está cheio de referências ao Pessoa, em especial à Tabacaria (”despacho a vida como se tivesse vontade de a despachar à pressa” ou o delicioso “come chocolates, marmanjona, come chocolates”. Como é que achas que Fernando Pessoa, ele que morreu novo, encarava a vida?
Era tão atrapalhado quanto eu, ou ainda mais, que eu ao menos cheguei a ir para a cama com a Ofélia, por assim dizer. Adoro o Pessoa, tinha, mais tarde ou mais cedo, de lhe fazer uma homenagem. Ele não precisa para nada, mas preciso eu, é como pagar a alguém o que lhe devemos.
Entrevista de João Morales. os meus livros. 01 de fevereiro de 2010. Para ler a entrevista completa é preciso adquirir a revista em Os Meus Livros.

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